top of page

Reencantar o mundo e reimaginar a vida

  • Foto do escritor: Hudson  de Pádua Lima
    Hudson de Pádua Lima
  • 16 de nov. de 2024
  • 5 min de leitura

A imaginação é uma habilidade humana muito subestimada e subutilizada na contemporaneidade ocidental. Fica geralmente restrita ao mundo infantil, quando respondemos muitas das perguntas das crianças dizendo que tudo não passa de suas imaginações férteis. Enquanto isso, aos adultos espera-se que sejam criativos (o que costuma significar, na verdade, produtivos). Embalada num conceito mais moderno, às vezes é referida como “visualização”, mas a imaginação não fica restrita apenas aos componentes visuais das imagens mentais.

Imaginação é a capacidade de criar, reproduzir e recombinar quaisquer estímulos sensoriais no plano imaginal (na mente ou tela mental), formando imagens, cenários, sons, músicas, pessoas, personagens, conceitos e ideias. Ou seja, a imaginação faz uso dos correspondentes internos da visão, audição, tato, olfato e paladar para criar um mundo de possibilidades infinitas, exatamente como acontece nos nossos sonhos. Os produtos da imaginação quando estamos acordados são chamados de fantasias. 

ree

Povos originários de todas as partes do globo sempre tiveram profunda comunhão com a natureza, vendo nela a expressão manifesta do sagrado. Essa cosmovisão de imanência (segundo a qual tudo tem alma) promovia uma relação mais sustentável e recíproca com o meio ambiente. Jung dizia que essas pessoas viviam em participação mística com o mundo, ou seja, eles estavam psiquicamente misturados com os arredores, suas “mentes” não estavam confinadas dentro de suas cabeças, mas estendiam-se para fora, em todas as direções. Talvez isso seja difícil de conceber com a nossa mentalidade tão cartesiana, mas realmente, era como se não houvesse limites definidos entre dentro e fora, “real” e “imaginário”. Por isso os deuses eram vistos fisicamente nos fenômenos naturais (tempestades, erupções vulcânicas, eclipses, maremotos, etc.), sonhos eram considerados vivências de outras dimensões e a magia era real. 

Obviamente, esse modo de operar limitava o desenvolvimento civilizatório. Essa atitude perante o mundo permitia relação com ele, mas pouco entendimento e controle sobre ele. A consciência humana era plural e diversificada, mas difusa, temerária e confusa também. Foi de forma talvez artificial perante a natureza mas natural para o homem que ele começasse a se dar mais importância e poder, recolhendo para dentro de si a sua identidade e separando-se dos arredores. Assim foi inaugurada a consciência egóica, baseada em relações do tipo Eu-Outro ou Eu-Objeto. 

A balança pendeu completamente para o outro lado: os deuses se tornaram apenas um, os sonhos foram esquecidos e a magia virou ficção, ao passo que a ciência e a tecnologia ergueram o império da “ordem e do progresso”. Passou-se a viver mais e de forma mais confortável, mas os custos disso estão cada dia mais flagrantes: tragédias climáticas, desigualdades socioeconômicas, violência, guerra, adoecimento mental e perda de sentido da vida individual. 

Nenhum extremo é bom, nunca. Excessos invariavelmente são compensados pelos seus opostos, como vemos na extrema polarização política global. Em termos psicológicos, estamos falando do eixo consciente-inconsciente. Um pêndulo posto em movimento oscilará, em seu primeiro movimento, ao longo da maior distância entre um ponto e outro, à medida em que vai perdendo energia até que encontre repouso no exato ponto médio. Para nós, é útil conhecer a amplitude desse movimento pendular em nossos comportamentos, crenças e ideias, apenas para saber o alcance de nosso repertório e poder de agência. Mas a vida entre o 8 e o 80 se mostra extremamente insustentável a longo prazo, tanto individual quanto coletivamente. 

Desse modo, não é esperado que abramos mão de todos os avanços e conquistas egóicas e civilizatórias e retornemos ao modo de vida tribal. O desenvolvimento psicológico não se dá por subtrações e substituições, mas por adições e aquisições , como as camadas de uma cebola. É muito improvável que conseguíssemos, por mais que tentássemos, voltar a ver o mundo como uma criança ou um nativo, mas podemos imaginar que sim. Podemos agir como se víssemos. Podemos ir aos poucos flexibilizando e fazendo concessões à vida, voltando a acreditar nela, em sua magia e sabedoria. Como diz o provérbio árabe: “Confie em Alá, mas amarre seu camelo” - ou seja, não deixe de agir concretamente conforme sabe-se necessário apesar de ter fé. Tome a vacina porque ela dá ao seu corpo a defesa biológica, mas se benza com a curandeira porque ela te dá o conforto espiritual. 

ree

A religião institucionalizada não é mais capaz de dar-nos completo amparo e significado, pois ela já está no domínio da consciência e precisamos, para isso, da participação do inconsciente. A imaginação é a maneira mais autêntica e poderosa de promover essas mudanças. Perderemos um bocado da inflação egóica autopromovida ao longo dos últimos séculos, sentiremos insegurança no começo, mas ganharemos no lugar disso nossa espontaneidade e liberdade de volta. 

Na prática, a imaginação pode ser exercitada de diferentes formas:

  • imaginação guiada: quando uma gravação ou um guia nos conduz através de um roteiro previamente preparado segundo o qual iremos imaginar certos cenários e ações com algum objetivo específico. 

  • imaginação dirigida: é como a anterior, mas feito de forma solitária, tendo um ponto de partida predefinido e a expectativa de se encontrar respostas ou soluções para questões específicas.

  • imaginação ativa: é o método desenvolvido por C. G. Jung e praticado na Psicologia Analítica. Consiste na introspecção, o silenciamento do ego e a observação atenta das imagens que espontaneamente surgem do inconsciente, interagindo com elas de forma verossímil de acordo com o seu contexto. 

Cada método tem suas vantagens e desvantagens, as quais não valem a pena ser discorridas agora. Já é muito meritório abrir-se para essas possibilidades, abandonando medos e preconceitos. Mas falo também de uma imaginação mais simples e presente no dia-a-dia, como a de ver um pássaro ou inseto a nos visitar e imaginar que significado isso pode ter sem consultar nenhum guia ou dicionário de símbolos. É a atitude de se ter um narrador interno contando uma camada extra de sentidos para cada ação que empreendemos ou sofremos ao longo do dia. 

O exercício desse tipo de consciência imaginal tem por consequência relativizar a realidade literal dos fatos e aprofundá-los em desdobramentos, reflexões e aprendizados. À medida que se permite essa liberdade, deixamos de pensar nas coisas em termos rasos e dicotômicos como certo e errado, bem e mal, verdadeiro e falso. Deixaremos de estar no piloto automático e estaremos mais presentes, implicados com o momento, com as relações e com a natureza. Veremos que, em algum momento, não precisamos deliberadamente imaginar alguma coisa, porque algo ou alguém (o inconsciente? ou seriam os deuses e espíritos de outrora?) preenche o silêncio com uma contribuição original que não nos teria ocorrido.

Essa imaginação precisa ser alimentada e nutrida. Poesia, cinema, literatura fantástica, ficção científica, espiritualidade, arte, ecologia, alquimia… Fornecendo os estímulos e matérias-primas, ficaremos surpresos em como isso pode fermentar e coagular dentro de nós de formas únicas e inesperadas. Imagine que sua vida é um filme, que seu trabalho é uma missão de um jogo, que seu relacionamento é um livro de romance, que os seus sonhos são realidades multidimensionais. O que de mal pode acontecer?



Hudson de Pádua Lima

Psicólogo 06/165910

São Carlos (SP)


 
 
 

1 comentário


Convidado:
06 de dez. de 2024

Inspirador

Curtir

2025 por Psicólogo Hudson P. Lima.

  • Instagram
bottom of page